De Norte a Sul do Brasil, seja em grandes capitais ou em pequenas cidades do interior, a crise política tem sido o tema principal dos eventos corporativos. Em clima de desânimo econômico, os empresários não se cansam de apontar o dedo para Brasília, principalmente o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, para mostrar onde está a fonte dos problemas que paralisam o País.
Através das palavras do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, é possível resumir o sentimento predominante no setor privado: “Ou a presidente Dilma melhora o governo ou é melhor ela sair”, afirmou Skaf, no início da tarde da quarta-feira 2. Poucas horas depois, aconteceria o fato político mais importante do ano. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou a abertura de um processo de impeachment contra a presidente da República.
O fim dessa história está longe de ser conhecido, mas a situação de “ou vai ou racha” em Brasília abre, ao menos, a esperança do empresariado em um futuro melhor. A reação inicial do mercado financeiro ao anúncio do processo de impeachment foi amplamente positiva.
Na quinta-feira 3, a Bovespa subiu 3,2% e o dólar recuou 2,2%, ao patamar de R$ 3,75. A euforia, no entanto, pode ser efêmera se os trâmites políticos não evoluírem. “Vai ser um parangolé esse processo de impeachment”, afirma Luciano Dias, sócio-diretor da CAC Consultoria, especializada em análises políticas. “Na atual conjuntura, o Congresso não vai aprová-lo.”
Os especialistas ouvidos pela DINHEIRO salientam, no entanto, que o grupo anti-Dilma no Parlamento pode crescer se houver um clamor popular ou se operações como a Lava Jato trouxerem à tona novos nomes de políticos ligados ao governo federal.
Acuado por essas investigações, Cunha afirma que a sua decisão não foi uma retaliação à posição do PT de votar contra o seu nome no processo de cassação no Conselho de Ética. “Não tenho nenhuma felicidade de praticar esse ato e não o faço por motivação de natureza política”, disse o peemedebista. Indignada, a presidente Dilma afirmou que não há contra ela “nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público”. “Não possuo conta no exterior, nem ocultei a existência de bens”, disse, num claro recado a Cunha.
O principal argumento jurídico utilizado pelos autores do pedido, os advogados Hélio Bicudo (ex-petista), Miguel Reale Jr. (ministro da Justiça no governo FHC) e Janaina Paschoal (advogada criminalista), envolve as pedaladas fiscais, pelas quais o governo obrigou os bancos públicos a pagar, inclusive em 2015, gastos sociais que são de responsabilidade do Tesouro Nacional.
É um tema que tira o sono da equipe econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, contrário a esse tipo de artimanha. Na prática, a tramitação do pedido de impeachment tem duas etapas: a inicial, na Câmara dos Deputados, e a derradeira, no Senado Federal. Em ambas, há a necessidade de aprovação por dois terços dos parlamentares. Na Câmara, a presidente Dilma terá a possibilidade de se defender. Se os deputados federais apoiarem o processo de impeachment, o vice-presidente, Michel Temer, automaticamente assume o governo por, no máximo, 180 dias, até que os senadores selem o destino de Dilma.
É difícil estimar um prazo final para tudo acontecer, pois o Supremo Tribunal Federal (STF), que será acionado por parlamentares do PT, pode paralisar os trabalhos. Porém, se os trâmites forem superados naturalmente, uma definição deve ocorrer em meados de 2016, com Dilma ou Temer conduzindo o País até 2018.
Para os empresários, acelerar essa discussão é fundamental.
Independentemente se a Dilma ficar ou sair, o Brasil tomará um rumo e esse fantasma do impeachment sumirá”, afirma Deusmar de Queirós, presidente da rede de farmácias Pague Menos. “Essa paralisia tem de acabar e, aí sim, o empresário voltará a investir.” Desde janeiro, quando Dilma Rousseff assumiu o segundo mandato, os indicadores econômicos vêm se deteriorando. A inflação bateu na casa dos 10% e o desemprego caminha para o mesmo patamar. A tão esperada recuperação econômica, que viria no segundo semestre, após um rápido e cirúrgico ajuste fiscal, simplesmente não ocorreu. Nem o ajuste das contas públicas.
Na terça-feira 1º, o IBGE oficializou um quadro que patrões e trabalhadores já conhecem na prática. O PIB do terceiro trimestre encolheu 1,7% em relação ao trimestre anterior, a terceira queda consecutiva (leia reportagem aqui). O último trimestre do ano também é dado como perdido pelos analistas, que preveem o pior Natal em 12 anos. Nada, até agora, indica uma reversão do quadro econômico em 2016. Em relatório enviado aos clientes, o banco de investimentos americano Goldman Sachs classificou como “sombrio” o cenário para o Brasil. “O ano que começou com uma recessão e a necessidade de ajustes, graças ao acúmulo de grandes desequilíbrios macroeconômicos, agora se transforma em uma franca depressão econômica.”
DÉCADA PERDIDA? O recrudescimento das análises pessimistas passou a criar um ambiente de década perdida, com uma tímida recuperação prevista apenas para 2018. Agora, diante da possibilidade do impeachment, o jogo das expectativas pode ser alterado. “
Com um governo de coalizão liderado por Michel Temer, que faça algumas reformas estruturais, dá para salvar 2017”, afirma Celso Grisi, professor da USP e presidente do instituto de pesquisas Fractal, que cita a adoção da idade mínima para a aposentadoria e a redução da máquina pública como dois desafios prioritários.
O resultado imediato seria a retomada da confiança de empresários e consumidores, e o destravamento de investimentos. Sob a liderança de Temer, o PMDB apresentou um plano com medidas liberalizantes da economia, como o fim da indexação do salário mínimo, a implantação do orçamento base zero e a reforma da Previdência Social. Mas isso não é tudo. “Qual seria a equipe econômica de Temer?”, indaga Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating.
A favor de Temer está a avaliação da maioria dos analistas de que o peemedebista tem altivez suficiente para fazer um governo suprapartidário, com forças políticas da esquerda e da direita, unindo o Congresso em um projeto pró-Brasil. “Nesse caso, até a CPMF seria aprovada sem ninguém reclamar”, brinca um empresário.
Embora torçam pela saída de Dilma, as lideranças do setor privado evitam comentar o tema em público para não gerar desgastes em Brasília. Preocupado com o futuro, o vice-presidente do Grupo Stefanini, Ailtom Nascimento, prefere acompanhar os passos do ministro Levy enquanto não há um desfecho sobre o impeachment. “Embora a política seja um assunto de relevância, no fim, o que realmente afeta os negócios de qualquer empresa são decisões sobre a carga tributária”, diz Nascimento. “A única certeza que temos é que dobraremos os esforços para buscar as oportunidades em meio à crise.”
Mas, na prática, todo mundo já tem em mãos o plano A, com Dilma até 2018, e o plano B, sem Dilma. No agronegócio, por exemplo, há o temor de que os incentivos setoriais sejam extintos se houver o impeachment da presidente. Mas, por outro lado, uma retomada do PIB seria benéfica para o País.
“A presidente Dilma hoje não tem poder de negociação e está completamente isolada”, afirma o produtor rural Glauber Silveira, que preside a Câmara Setorial da Soja do Ministério da Agricultura. “Uma presidente nesta situação é muito prejudicial ao País.”
O que os empresários querem mesmo é um ponto final na crise política. “Ou a presidente Dilma vai ficar com mais força depois disto tudo, o que é essencial e importante para ela e para o País, ou o País terá de encontrar outro caminho, com outro governante”, afirma Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A economia agradece.
(*) Luís Artur Nogueira, jornalista e economista, é editor da IstoÉ DINHEIRO e palestrante de cenário econômico e político