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13 de novembro de 2024 - 08:58

Geraldo Roca e o sentido da vida

Bosco Martins*

Abre aspas pro Roca: “A arte pra mim existe porque as pessoas precisam dela. No nordeste brasileiro é onde se faz a música mais rica e é a região mais miserável. Ou é Deus ou é a manifestação artística. Que no fundo são as mesmas coisas (…) A religião e a arte têm a mesma origem e dão sentido à vida. Tornam a vida tolerável. Este foi o papel da música popular do século 20. As pessoas viveram a vida delas pautadas pelo o que era a moda musical. Desde as melindrosas dos anos 20 até os hippies e Mutantes nos anos 70. Eu enchia o peito para falar que era músico e compositor na década de 70 e 80. Hoje em dia já não tenho mais. Me sinto fazendo parte de um baixo clero de gente que não tem importância nenhuma (…)”.

Essa inquietação nos remete a um sem-número de conceitos e percepções da vida. Mas, estaria Roca acometido da síndrome que atormenta algumas profissões, como a da “saudade do futuro”?

Creio que não, mas não deixa de ser mesmo muito inquietante atestar que nos dias de hoje a revolução de costumes não se dá mais pela filosofia e cultura. “A palavra não está mais com o filósofo e escritor, ela está com o astro físico, astrônomo, a ciência exata… Mas continuo compondo como se fosse importante o que o compositor está dizendo, embora não seja mais assim”.

Para Geraldo Roca, a música hoje é como se fosse um produto de uma espécie de mercado fast food, longe da concepção de arte, que transforma e faz pensar. Geraldo Roca sempre foi assim. Ermitão de suas pegadas foi mestre de seu próprio disfarce. Se defendeu enquanto pode com suas sutilezas e tiradas irônicas. Mas o coração de ouro e o sentimento extremamente humano que trazia por dentro permaneciam intactos.

Se tivéssemos um décimo de seu talento ainda assim não conseguiríamos produzir uma obra tão genial e única como a dele. Muito mais do que o autor de “Trem do Pantanal”, Geraldo Roca foi um artista que criou uma trajetória com verdadeiras obras primas, embora desconhecidas. Roca era um pensador pós moderno, humanista, um filósofo e cujos versos cortantes, trazem uma visão crítica pessoal e ácida do mundo e do ser humano.

Sem dúvida, a notícia da partida de Geraldo chegou como um soco nocauteador. Entre familiares nas comemorações de Natal em Jaboticabal, no interior de SP, queria não acreditar. Acabava de assistir o último filme de Tarkovski, o cineasta Russo, uma parábola poética sobre o fim do mundo. Logo no inicio, um monólogo reflete sobre a bestialidade da era contemporânea: “Vivemos como Selvagens”, diz o personagem, acrescentando que a humanidade enveredou por um caminho sem volta.

Revirando acervos percebo agora com maior nitidez em Veneno Light, último trabalho de Roca, em 2003, correlações nas inquietações do artista. O mais criativo dos nosso autores, o cara da mil ideias e projetos, se cansou do em vão, dai a enigmática discrição e aversão a holofotes.

Inegavelmente, Roca não era o bom burguês que muitos viam transparecer naquela figura introvertida, mas um camponês emigrado que não conseguia se integrar à vida urbana. Roca rabiscava itinerários de seu mapa secreto, sobrepondo-o à topografia da cidade moderna, que sempre lhe foi estranha e hostil, nos remetendo na mais completa nostalgia, invadida por uma tristeza debochada, não aparente, somente se revelando quando buscou a serenidade helênica.

Numa das vezes em que eu já dirigindo a Rádio e TV Educativa, Roca estava entusiasmado com a montagem de um estúdio de som em sua casa, onde nasceu “Novidades Nativas”, coletânea de artistas campo-grandenses.

– Seria engraçado que com tantos preparativos para viver, um simples resfriado nos tirasse vida, dizia ele, numa alusão a Benjamin Franklin, o inventor do para-raios.

Roca projetou seu próprio mundo interior sobre o mapa secreto e musical deste itinerário poético que nos deixou e tentem, se puderem, deter um homem que viaja com o seu inconformismo pendurado na lapela. Como Benjamim Roca estava adoecido pela sua própria indignação. Partiu como se fosse sombra dançando na chuva à procura   do sentido que quis dar à vida e em busca de seu relâmpago redentor na plenitude de uma paixão, pois não desejava diluir-se na obscuridade do passar dos anjos.

(*) Bosco Martins é jornalista, diretor-presidente da Rádio e TV Educativa de MS (RTVE)

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