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9 de dezembro de 2024 - 09:48

Rosildo Barcellos: As palhetas de chifre

Rosildo Barcellos, contador de histórias, contista, articulista e crítico musical

Encontrar a palheta certa (plectrum) para tocar um instrumento já é uma arte, hoje existem no mercado até aparadores de palheta com capacidade de corte de milésimos de polegada, para aquelas que se deformam pelo uso.N região de Barcelos, Portugal, berço do cavaquinho, eram usadas as de casco de tartaruga, Atualmente, além da variação de formatos (triangular e gotas) há disponíveis: A de celuloide e a de tortex ( que na são escorregadias) nylon e madeira. Mas a história que contarei hoje é ainda mais interessante. Ela fabricava toda sexta feira santa, suas palhetas usando chifre de boi. Apresentou-se em um teatro pela primeira vez aos 67 anos, e gravou discos apenas depois disto. Foi escolhida em 1993 pela Guitar Player como uma das “100 mais” por sua atuação nas violas de 6, 8, 10 e 12 cordas. Imagine ela estar em uma publicação de uma revista ao lado de nada mais nada menos que Jimi Hendrix, Eric Clapton, Keith Richards e B.B. King.  Também teve sua história contada em filme, no longa Helena Meirelles, a Dama da Viola. Gravou quatro álbuns “Helena Meirelles” (1994), “Flor da Guavira” (1996) que também é um documentário produzido recentemente. Inclusive este documentário tem um detalhe que eu acho interessante:

     Aparece as imagens com o instrumento preferido dela, um violão Del Vechio, presenteado por uma loja de departamentos em São Paulo. No dia em que foi escolher um violão para o filho Francisco, os dois estavam juntos. Ela resolveu ver um e pediu o que tivesse o braço delgado e fino, proporcional ao tamanho dela. Entre vários, escolheu o que aparece nas imagens do documentário, naquela ocasião ficou afinando o instrumento. Ficou  horas tocando e resolveu que o levaria. Quando foi verificar as condições de pagamento, o gerente disse: “ o do seu filho a senhora paga, este é um presente da Del Vechio para agradecer a visita da senhora em nossa loja”.Mas continuando; os álbuns ainda  gravados foram:  “Raiz Pantaneira” (1997) e “De Volta ao Pantanal” (2003).

     Helena Pereira Meirelles nasceu em Campo Grande no ano de 1924, na sexta-feira 13 de Agosto, na fazenda Jararaca e morreu em 28 de Setembro de 2005depois de uma internação na Santa Casa por uma pneumonia. A vida como instrumentista começou cedo, aos 9 anos de idade, quando  olhava com paixão seu avô, Marco Vaz Meirelles, abrigar os viandantes que transcendiam o limite da fronteira e tentavam ganhar a vida no Mato Grosso do Sul, sendo o único da região a dar “pouso” e a criar laços de amizade com “homens paraguaios”, o avô de Helena mal sabia o que acabara de plantar em sua neta. Helena passava horas vendo e ouvindo os nossos “vizinhos”, que sempre levavam seus violões junto de suas tralhas e em todo e qualquer tempo livre se punham a tocar seus “rasqueados” (nome que a Helena nominou para o que, para alguns, seria a “polca paraguaia”), com o violão acompanhamento e o violão solo. Helena enfrentou sérios problemas com a família, que ameaçava amputar-lhe os dedos para que não tocasse mais. Desta feita,  como dito, foi “viver a vida como bem queria” e ela queria tocar. E, para poder tocar, foi ter a vida  longe da família em algum lugar que as pessoas gostassem dela. Lá aonde  davam tiros no forro dos barracões de acurí, onde um sapukay sempre precedia uma briga de faca. Viveu em casas de tolerância até se tornar septuagenária,  e teve 11 filhos. Figurou-se como instrumentista em Porto Epitácio e  Aquidauana, o que muito nos orgulha. Para terminar esta longa história, lembro de uma de suas frases que contava como gravou o   seu primeiro disco. Ela dizia: Foi assim…eu estava com uma pneumonia tão forte que não fui eu quem gravou este disco, foi a minha alma. Gravei com febre, dor de cabeça, tontura e pontada. Eu estava morrendo, não comia nem bebia. Assim mesmo gravei. Passei sem comer, passei sem dormir, passei muita amargura,  só tinha fé em Deus”. E que esta fé continue  a nos mover em acreditar que a música é o lenitivo da alma. Obrigado Helena !

1 comentário em “Rosildo Barcellos: As palhetas de chifre”

  1. Quero parabenizar o conteúdo portal da educativa, por convidar escritores de alto gabarito para falar de assuntos difíceis de encontrar como conteúdo de pesquisa. Não existe uma literatura regional sobre a cultura musical do Mato Grosso do Sul e estes artigos certamente serão no futuro um banco de dados para estudantes e interessados na nossa cultura.

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