Uma visão de paz e esperança
Desde que o conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas teve início no dia 7 de outubro deste ano, com bombardeios e mais de 3,5 mil mortos, o mundo tem assistido a uma enxurrada de vídeos, fotos e notícias de grandes atrocidades. No entanto, segundo a comunidade árabe em Campo Grande, as vítimas estão em ambos os lados e não há como distinguir quem sofre mais diante desta guerra.
Para falar sobre este assunto, o programa Rádio Livre desta sexta-feira (20) entrevistou o Sheik Anwar Hamad e seu intérprete Taha Hussain com uma visão original sobre o conflito armado.
Está previsto que a ajuda humanitária chegue na Faixa de Gaza nesta sexta-feira com cerca de 100 caminhões levando mantimentos, apenas aguardando a passagem de Rafah, na fronteira com o Egito, pela autorização para entrarem no território.
Para o sheik Anwar é grande a esperança de que o Brasil possa fazer alguma coisa com relação também a essa ajuda humanitária na faixa de Gaza. “A política do Brasil sempre foi de paz e harmonia e a gente espera que essa guerra termine”, afirmou já no início da entrevista.
Sobre brasileiros que aguardam ser repatriados, o sheik lembra que há pessoas de Campo Grande que estão em Ramallah, que fica do outro lado da Palestina, e a torcida é para que possam retornar com saúde e em segurança. É o caso de um comerciante daqui: “Ele tem uma loja de calçados, o famoso chinelo havaiana”, comentou.
Por aqui, os familiares desses brasileiros que estão na área de conflito, aguardam muito preocupados e com o sentimento muito forte de que esse conflito possa acabar e que eles possam voltar.
Sobre essa paz tão almejada, o sheik lembra que “para ter uma paz duradoura e verdadeira é necessário que termine a ocupação de onde estão”. Ele lembra que a esperança é que os governantes possam aceitar o que a ONU (Organização das Nações Unidas) tem exigido, que os povos dos dois países possam viver em paz.
A pergunta que segue direcionada do tradutor, que é libanes e vive há muitos anos no Brasil, é se ele acredita que isso seja possível e a resposta vem imediata: “Particularmente posso dizer que esse é o sonho de qualquer ser humano, de qualquer pessoa, de qualquer religião. Terminar essa matança porque ninguém gosta de ver na televisão crianças morrendo. Outro dia explodiram um hospital, depois a igreja ortodoxa. Do outro lado também está morrendo muita gente inocente e isso não é justo”, desabafou Taha.
O sheik explica que árabe é o povo em geral, uma pátria do Oriente Médio e que muçulmano é uma religião islâmica. “Tanto que existem brasileiros, argentinos muçulmanos, e em toda parte do mundo. O áreabe é um povo do Oriente Médio que tem cristãos, judeus, muçulmanos e drusos”.
Questionados sobre orientações para quem vive em meio aos conflitos para que busquem lugares mais seguros, a resposta também é enfática: “O que está acontecendo em Gaza é que não há lugar sossegado e tranquilo onde eles possam estar. Veja que eles fugiram para o hospital e explodiram o hospital. Outros fugiram para a igreja ortodoxa e explodiram também. Não há lugar onde eles possam se esconder da guerra. Estão sendo atacados em qualquer parte e fugir para outro país não é justo. É como mandar você embora para ocupar a sua casa”, explicou. Desta forma, segundo ele, as pessoas estão preferindo morrer em suas terras a sair. “Já que vão morrer, vão morrer como heróis da terra”, comentou.
Mas por que essa guerra?
Diferente do que dizem, o conflito existente naquela região não se dá por conta de religiosidades e sim pela terra. Pelo menos é o que explica o Sheik Anwar.
A guerra entre Israel e o Hamas é um conflito de longa data que tem suas raízes em questões territoriais, entre outras. O Hamas é uma organização palestina islâmica que controla a Faixa de Gaza desde 2007, enquanto Israel é um Estado judeu localizado na mesma região. A guerra entre essas duas partes tem se caracterizado por conflitos armados, ataques aéreos, bombardeios e perdas recorrentes, um conflito que existe há pelo menos 70 anos, quando a Palestina foi invadida.
“Realmente a guerra começou 70 anos depois que implantaram o Estado de Israel com força e começou a ocupação palestina. A questão não é religião. Lá tem todas as religões, tem cristão, tem muçulmano, tem judeu e drusos, tem partidos de esquerda e todos são contra a ocupaçao e estão defendendo sua pátria, mas como a maioria são muçulmanos, eles falam que é uma guerra religiosa”, contou.
E no meio deste conflito, segundo explica o líder muçulmano, há também outros governantes e países que se aproveitam deste momento tão difícil para vender suas armas e por isso o interesse em manter os povos em guerra.
O maior sonho deste povo árabe, segundo o sheik, é que todos possam conviver novamente em harmonia, assim como acontece no Brasil, onde a comunidade é bastante unida, sem importar-se com a religião do outro.
“Sonhamos com esse dia, tanto que nós, árabes em geral não somos contra os judeus, a palestina é o símbolo das três religiões: muculmanos, judeus e cristãos. Todas elas nasceram lá”, afirmou.
Taha, que é libanez nato, lembra que o povo vive tranquilo aqui e em paz. “Eu lembro quando cheguei no Brasil depois da guerra civil do Líbano, a rua 25 de março e a rua Maria Marcolina [São Paulo] era uma loja de árabe, outra de judeu e todo mundo vivendo em paz, tinha tranquilidade”, afirmou.
No entanto, é lamentável que os governantes vivam da venda de produtos bélicos sem se importar com o que está acontecendo, segundo o pensamento de Taha.
“Nós, muçulmanos, somos os primos dos judeus, porque os judeus são filhos de Isaque e nós somos filhos do irmão dele. Não somos contra os judeus, nós podemos casar com eles e eles podem casar com a gente” explicou, fazendo referência a parte religiosa do antigo testamento.
“Qualquer um sonha com a paz, qualquer que seja a pessoa, mas tem que ser uma paz justa, terminar a guerra de uma maneira justa e perfeita, porque se não, vai se terminar uma guerra e recomeçar. Enquanto não tiver justiça vai ser assim”, desabafou.
Ele finalizou a entrevista lembrando que não quer deixar apenas uma palavra, mas que deseja viver em paz e se refere ao povo brasileiro como uma gente muito carinhosa, acolhedora e que recebe a todos de “braços abertos”.
“O sheik é do Egito, eu sou do Líbano”, explicou Taha. “Lá, eles nascem sabendo que o Brasil é sua segunda pátria já que no Líbano são oito milhões de libaneses enquanto o Brasil tem 17 milhões de libaneses e seus descendentes. Lá, são raras as casas que não tem parente no Brasil, por isso a gente vive tão tranquilo aqui”, concluiu. ]
Taha se revela um grande fã dos brasileiros e da cultura local e termina a entrevista ao som de uma cantora brasileira que ele tem verdadeira admiração: Maria Bethânia.
O Rádio Livre vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 7h às 8h, com a apresentação de Eva Regina e Vivianne Nunes, além do operacional de Bernardo Quartin.