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29 de abril de 2024 - 22:26

‘Mexidinho’

*Por Thereza Hilcar

Em uma festa chique, dia desses, e diante da profusão de comidinhas sofisticadas, a moça descolada disse que seu sonho é ter casa com quintal para fazer uma hortinha. “Quero muito voltar a comer comida de verdade, saudável, plantada e colhida por mim”, disse, animada com a perspectiva eminente. Lembrei-me de imediato da infância no interior e dos costumes que hoje mais parecem história de ficção. A salada verde vinha direto do quintal, onde minha vó também plantava ervas, frutas e legumes. Cenouras, beterrabas, tomates de duas qualidades, pimentão, couve, alface, tudo vivo, fresco, da nossa horta para a mesa. O sabor era outro, bem diferente dos legumes tristes que vemos nos supermercados.

E no terreno enorme também viviam as galinhas, felizes, ciscando na terra e fazendo aquele barulhinho gostoso que parece música aos meus ouvidos. Comiam o que viam, mais a porção de milho miudinho que a gente pegava com as mãos em concha e jogava para elas. Colher os ovos logo ao amanhecer era uma aventura cercada de sabedoria. Sim, era importante olhar cada canto, ninhos espalhados em lugares inusitados, e ter cuidado em retirar cada um sem desfazer nem espantar as galinhas. Encontrar um ovo azul era a glória total.

A carne que chegava em casa, comprada no açougue da esquina, era tão fresca que se podia ouvir o berro do boi. A carne de porco que ia para a panela – pasmem! – vinha do quintal. Era comum no interior de Minas criar porcos no fundo do terreno. Eram alimentados com sobras de comida – a famosa lavagem. Quem não gostava de ter porcos em casa criava-os em uma pequena chácara apenas com este propósito. Meu avô paterno era um deles. Como nunca fui afeita à carne vermelha, costumava assistir à matança com certa tristeza. Embora também fosse um evento. Quando o matador profissional – quase sempre o mesmo – chegava bem cedinho, com seus instrumentos de tortura, as crianças alvoraçadas se reuniam ao seu redor para assistir àquilo que considerávamos uma aventura. Talvez, por isto, por assistir à barbárie cotidianamente, parei de comer carne vermelha assim que sai de casa, aos dezessete, sob veementes protestos dos avós.

O risoto chique de hoje era para nós o famoso mexidinho, feito com as sobras do almoço: arroz, feijão bem feitinho, legumes e carne picada ou moída, o que tivesse na geladeira. Tudo isto era acrescentado ao refogado de cebolas, alho e ovos fritos. Por cima, uma couve bem fininha, crocante, dava o toque final na iguaria. Mexidinho mineiro é para comer ajoelhado, rezando. Nossa alimentação era totalmente sustentável, para usar o termo que está na moda. Quando o avô exigia jantar – sem sobras –, eu gostava de sair para filar mexidinho em outras cozinhas. Um restaurante de BH ficou famoso por servir o prato nas madrugadas, depois que os jovens voltavam das boates.

Mas o assunto desta crônica não é saudosismo, puro e simples. Até porque existe um movimento forte no sentido de trazer de volta a boa e velha comida de verdade, orgânica, sem aditivos e frescuras. A velha Europa, sábia que é, cultiva há séculos o hábito de comer apenas os alimentos cultivados em locais próximos. Quanto mais perto, mais fresco e mais saudável ele chega às mesas. Por isto é tão importante incentivar e valorizar os produtores locais, os pequenos agricultores. Comida boa não precisa ser chique. Precisa apenas ser boa. Que tal fazer como a moça lá do início e plantar uma hortinha no seu quintal – ou na varanda –, só pra começar? O planeta agradece penhoradamente. E a nossa saúde também.

Thereza Hilcar é jornalista e escritora.

Artigo publicado no Jornal Correio do Estado.

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