Em entrevista ao Bom Dia Campo Grande, Edilson Reis aponta fatores que servem de alerta quanto a depressão e mudança de comportamento e reforça importância do tratamento
A UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) inicia neste mês de abril a quinta edição do Curso de Prevenção ao Suicídio. Com 60 vagas, o treinamento visa a preparar de profissionais de saúde e educação ao cidadão comum para identificar sinais de comportamento de risco para as pessoas, conforme explicou o coordenador do curso, Edilson Reis, em entrevista ao Bom Dia Campo Grande desta segunda-feira (1º). Taxativo, ele aponta a depressão como fator preponderante para o aumento no número de casos de suicídios –avançando entre crianças e jovens, conforme dados por ele citados e creditados à OMS (Organização Mundial de Saúde).
“O diagnóstico de uma doença mental como a depressão não é uma sentença de morte, mas que vai dar qualidade de vida se aderir ao tratamento”, afirmou ao microfone da Educativa 104.7 FM. Ele afirma que o tratamento inclui desde o uso correto de medicações para estabilização do humor à psicoterapia para tratar a causa, “que muitas vezes está na estrutura psíquica do indivíduo”.
Vinculada à depressão, Reis aponta a inabilidade de muitas pessoas em lidarem com a frustração como gerador de irritabilidade que acaba por culminar no suicídio. “Trabalhamos muito com adultos infantilizados que não sabem lidar com o ‘não’, com a frustração. Temos uma sociedade de homens, mulheres e crianças birrentos que, por impulso, não têm controle sobre o temperamento, tanto para ferir alguém como se lesionar seriamente”.
Nesse sentido, ele considera “primordial” a atenção no ambiente familiar. “Precisamos entender que a família não é um tribunal que condena, julga e executa. É uma estrutura de amor e apoio, mas que impõe limites e o exercício diário da palavra ‘não’”, afirmou. Atitudes como apoiar os erros dos filhos estão entre elementos que não permitem às crianças e jovens aprenderem a ter convivência sadia em sociedade. Da mesma forma, neglicenciar a necessidade do tratamento da depressão, não aplicando medicamentos adequados ou descartando o tratamento psicoterápico, representa outro risco.
“Há pais que negam a doença, não aceitam a indicação do psicólogo ou do psiquiatra, não medicam o filho porque, em um termo mais vulgar, consideram ‘frescura’, que ele só quer chamar a atenção. Mas não é: a criança pode ter um sofrimento que é tão profundo, psíquico, que prefere o suicídio para se livrar do sofrimento”, alertou, reforçando que o comportamento suicida tem aumentado justamente na faixa entre 5 e 25 anos de vida.
Da mesma forma, ele condena a superproteção de alguns pais, que surge desde uma “supervalorização da gravidez e da maternidade”. “Como se aquele filho fosse diferente dos demais”, ilustrou, apontando ainda dois extremos: de um lado, a pressão social que levou casais a terem filhos, mesmo não os desejando; àqueles que supervalorizam as crianças, tratando-as como gênios quando, na verdade, não os são. “Criança com limite estabelece um padrão de realidade. Sem limites, vive em um mundo que acha ser dela e não é”.
Reis, na entrevista, salientou que a geração atual se tornou precoce em relação a vários fatores, desde a vida sexual aos cuidados referentes a vaidade. Nesse sentido, medicamentos como anticoncepcionais tiveram o uso ampliado –inclusive por meninos, como meio de conter a acne. Contudo, o coordenador destaca que tais produtos têm em suas bulas alertas sobre a possibilidade de gerarem comportamento depressivo.
Atenção
Tal fato também resvala na questão familiar e na necessidade de afeto por parte de crianças e jovens. Edilson Reis salienta que, diante do isolamento, presenciamos com naturalidade uma geração de crianças presas dentro dos quartos, algo que alguns pais até consideram positivo –quando, na realidade, o isolamento traz sentimentos negativos.
A necessidade de presença, salientou, é ainda maior nos primeiros anos de vida, quando a personalidade da criança está em formação. “Ela tem de se sentir segura, e quem tem de estabelecer isso são os pais ou responsáveis”, afirma. A situação é agravada por substâncias como álcool e drogas, que fazem crianças e adolescentes “perderem o sentido real da situação”. “Isso estabelece uma mente infantil, uma imagem de grandeza e um eterno insatisfeito”.
Mundo virtual
Os perigos, frisou Reis, estão também no fato de que, muitas vezes, crianças e adolescentes não acham que estão com depressão, mesmo diante de mudanças comportamentais. Algo que passa batido também por pais.
A internet e as redes sociais, prosseguiu ele, também são fatores que ajudam a ampliar quadros de depressão. Isso porque a criança e o jovem passam a viver em um mundo irreal. “Quando sai daquele mundo bonito e vem para a vida real descobre que esta é dura. Crescer dói. Cria-se um choque de realidade porque (na web) não estão em uma realidade lógica de sentido, de coisas palpáveis”.
Ainda conforme Reis, é necessário cuidado para que a criança ou o adolescente não se transforme em um adulto “rotulado”: há, destacou, cerca de 40 tipos diferentes de depressão, graduadas de leve, severa, grave e crônica, que não serão tratadas no ambiente escolar –por esse motivo, ele criticou a individualização generalizada quanto aos cuidados que pais cobram para algumas crianças.
“Quando o pai é chamado na escola para ver a mudança do comportamento, da atitude do filho, às vezes se mutilando ou cortando, enfim, se agredindo, ele chega agressivo contra a escola. Coordenadores, diretores, professores, ameaçando. E pior, não dá seguimento ao tratamento indicado”, aponta. “Como você quer que seu filho estabeleça uma relação com qualidade de vida se você não se adequa? Tem de ter essa mudança, pois você é o responsável por essa criança”.
Por fim, referindo-se ao massacre em Suzano (SP) –o qual, advertiu, teve também um planejador intelectual–, ele também lembrou que ninguém percebeu as atitudes do adolescente e do jovem que cometeram as mortes e, depois, deram fim às próprias vidas. “O que leva ao ódio e à vingança e, principalmente, ao ‘vou me vingar e depois morrer’?”, postulou. Reis destacou, ainda, que devemos ter a preocupação de criar uma “expectativa de futuro nas pessoas”. “A perspectiva de agir e, principalmente, de ter um espírito de campeão. As pessoas não querem lutar, no primeiro passo já se sentem derrotadas”.
O Curso de Prevenção ao Suicídio será ministrado entre abril e outubro na Famed (Faculdade de Medicina da UFMS), com aulas sempre às segundas e terças-feiras, das 19h às 22h. São 60 vagas ao todo, sendo que 60% delas são reservadas a acadêmicos de todas as universidades da Capital e o restante a interessados. As inscrições são realizadas apenas pelo e-mail 2018cursoufms@gmail.com, para o qual a pessoa deve escrever um pequeno currículo com nome, endereço e explicando o porquê deseja participar do treinamento. Os selecionados participarão do curso, composto por workshops e palestras variadas.
Ao finalizar, Edilson Reis reforçou que “uma dor não compartilhada dói mais”, e recomendou que, em situação de sofrimento, a pessoa deve procurar quaisquer unidades de saúde para ser atendida. “Jamais fique isolado com sua dor e sofrimento”. Ele também lembrou que o GAV (Grupo de Apoio à Vida) oferece suporte telefônico pelos telefones 141, (67) 3383-4112, (67) 99266-6560 (Claro) e (67) 99644-4141 (Vivo).
Sintonize – Com produção de Rose Rodrigues e Alisson Ishy e apresentação de Maristela Cantadori e Anderson Barão, o Bom Dia Campo Grande permite ao ouvinte começar o dia sempre bem informado, por meio de um noticiário completo, blocos temáticos e entrevistas sobre temas variados. O programa vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 7h às 8h30, na Educativa 104.7 FM e pelo Portal da Educativa.