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18 de abril de 2024 - 23:44

Um corredor ecológico que guarda sinais pré-históricos de 8 mil anos

Quando se olha para o mapa e se observa aquela linha imaginária dividindo os dois Mato Grosso, em longos trechos pelas águas da Bacia do Paraguai, não se tem a dimensão do cenário possível de encontrar ao navegar pelos seus rios e estreitos. Ali ainda existe apenas um Mato Grosso, um mesmo Pantanal, laços culturais e familiares se perpetuam e um grande esforço em comum para conservar verdadeiras maravilhas desenhadas pela natureza.

Cáceres, do lado mato-grossense, e Corumbá, que ficou isolada culturalmente no novo estado com a divisão territorial de 1977, se identificam no jeito de falar, na prosa pantaneira, na culinária e nas manifestações do cururu e do siriri. As águas que passam pelo porto de Cáceres chegam a Corumbá e a Porto Murtinho, desaguando no Paraná. Há um comprometimento das três cidades pela conservação desse caminho natural e, aqui, não existem limites territoriais.

Nestes tempos modernos, onde a sustentabilidade é a palavra-chave para garantir o futuro do planeta, a vasta e misteriosa região cercada pela Serra do Amolar, influenciada pela Amazônia e o Chaco, foi considerada de alto grau em biodiversidade pelo Ministério do Meio Ambiente. Existe no local um esforço para sua conservação, envolvendo proprietários e organizações não-governamentais, como o Instituto Homem Pantaneiro (IHP).

Descalvados ainda guarda sua arquitetura original, distante 160 km abaixo de Cáceres. Foto: Sílvio Andrade

Esse comprometimento com recursos naturais ainda intocáveis gerou a criação de uma rede de proteção do Amolar guardiã de um corredor ecológico de 230 mil hectares, entre reservas e terras particulares, incluindo o Parque Nacional do Pantanal, que fica na periferia da rota Cáceres-Corumbá. O Rio Paraguai é o limite do parque entre Corumbá e Poconé (MT). Aqui, começa, rio abaixo, a concentração do novo habitante do lugar: os ribeirinhos, catadores de iscas.

Tribos extintas

Assim como Corumbá, Cáceres teve seu apogeu econômico como entreposto comercial da Hidrovia do Paraguai e ambas, hoje, tem o agronegócio e o turismo como principais receitas. Os casarões dos seus portos guardam aqueles tempos áureos vividos após a Guerra do Paraguai, que terminou em 1870. Corumbá foi o terceiro maior porto fluvial da América Latina, ali se instalou a 14ª agência do Banco do Brasil e havia outras 20 instituições financeiras, inclusive o City Bank.

Artefato indígena encontrado na reserva Acurizal. Foto: Sílvio Andrade

Quando se navega pelo Rio Paraguai, entre as duas cidades, as ruínas de grandes empreendimentos que operaram até meados do século XX e os vestígios de outras civilizações se contrapõem às mudanças que o tempo se encarrega. Ficam memórias no cotidiano, nos museus e nos monumentos arquitetônicos – um produto valioso para se explorar o turismo histórico em um ambiente de natureza sem igual. O cenário ao longo do rio é outro, os tempos são outros, mas se tem a impressão navegando que não há tempo…

O valor e amplitude desse patrimônio cultural e material, no curso do rio, são imensuráveis. Por conta da colonização, disputas territoriais e ambições pelas riquezas minerais, tribos indígenas foram dizimadas, como os Paiaguá, os Chané e os Guaná, que viviam nos arredores da morraria do Amolar. São manchas da história que maculam um País ainda injusto e sem direitos humanos. Os guató resistiram, tiveram suas terras tomadas após a Guerra do Paraguai, mas voltaram à Ilha Ínsua, porém, mais brancos do que índios.

Homem pantaneiro

Viajar no curso do rio, entre as duas cidades pantaneiras, é vivenciar uma parte importante da nossa história e entender como se deu a ocupação da fronteira e o pensamento do homem daquela época ao desbravar uma região inóspita, como o Pantanal, e viver em relativamente harmonia com esse ambiente. Após a guerra, nasceu uma nova raça no lugar do índio, com a mistura deste: o pantaneiro.

As lagoas Gaíva (foto), Mandioré e Uberaba, nos limites de MS e MT e fronteira com a Bolívia, e suas inscrições pré-históricas. Foto Sílvio Andrade

Nas cercanias de Cáceres, conforme descreveu o pesquisador Álvaro Banducci Junior (UFMS), em viagem do norte ao sul em 1999, se encontram importantes marcos da ocupação do extremo Oeste. A ex-Vila Santa Maria do Paraguai guarda o Marco do Jauru (1885), um monumento em pedra de lioz esculpida em Lisboa que representou a fronteira entre as colônias portuguesa e espanhola, fixada em 1750.

Descendo o rio, no sentido norte-sul, há monumentos em pedra, que guardam o período pós-colonial, como a Fazenda Descalvado, fundada no início do século XX por belgas para ser uma indústria de caldo de carne, produto que chegava pelo rio à Europa e os Estados Unidos. Descalvado é um dos cartões-postais, hoje operando como pousada, em meio a uma natureza que não cansa os olhos na lentidão do barco.

Lagoas misteriosas

“Quem teve o privilégio de realizar esta viagem, não esquece jamais o fascínio de cruzar uma das regiões mais fantásticas do Pantanal. Não sobra apenas natureza, mas história. História de um pedaço do Brasil encravado na fronteira com a Bolívia, isolado, onde surgiu uma raça única, que mistura tribos indígenas ancestrais, brancos, negros e o bugre, o homem pantaneiro”, narra Banducci.

Os ribeirinhos são os novos moradores da beira do rio, concentrando-se na região da Serra do Amolar. Foto Sílvio Andrade

Já no limite dos Mato Grosso, onde surgem imensas lagoas que confundiram os navegantes – eles chamaram aquelas águas de Mar de Xaraés -, a sinistra Gaíva com suas ondas de até três metros guarda inscrições rupestres nas rochas. Sinais pré-históricos também encontrados, em grandes paredões, no Morro do Campo (já entrando no Rio São Lourenço, que desagua no Paraguai no km 1750 da hidrovia). As lagoas concentram sítios de até 10 mil anos.

Quando o rio contorna Amolar, as tribos indígenas são lembradas apenas pelos seus aterros, cerâmicas e artefatos catalogados pela pesquisa. Os donos da beira do Paraguai agora são brancos, alguns nativos, que vivem da subsistência do peixe, em abundância. Até o início dos anos 2.000 não tinham documentos, portanto, não “existiam”. Com ações dos governos e do Ministério Público, chegou também a comunicação por meio de orelhões e sinais de internet. Mas moram precariamente.

Isolamento cultural

A vida ribeirinha no Pantanal, como descreveram pesquisadores da Universidade Federal da Grande Dourados ao pesquisarem o Morro do Campo, “obedece a regras estritas impostas pela dinâmica das águas. Assim o foi em tempos passados e persiste, ditando as formas de organização do trabalho entre as comunidades assentadas às margens de rios e canais, resultando num diálogo constante entre homem e mundo natural”.

Corumbá fica no centro do rio em águas brasileiras: foi o terceiro maior porto fluvial da América Latina. Foto: Sílvio Andrade

Os navegantes atuais desse trecho são os lancheiros, que percorrem dias em barcos lentos transportando pessoas e cargas pelos meandros do Paraguai. O rio também passou a receber gente da selva de pedra, os pescadores esportivos, alimentando o turismo da pesca que emprega milhares em Cáceres, Corumbá e Porto Murtinho. Os empresários do setor ainda não descobriram nesses caminhos o potencial do turismo cultural e histórico.

No vai e vem do sinuoso rio, o barco descortina Corumbá e a morraria do Urucum. O Casario do Porto é o testemunho daquele fausto do comércio fluvial quebrado com a chegada – vejam a ironia – da estrada de ferro, nos anos de 1950. Corumbá foi a capital econômica de Mato Grosso e houve até movimento para torna-la sede do estado. A divisão territorial decretou seu isolamento geográfico e cultural, só agora rompido.

Silvio Andrade – Lugares ECO

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