A decisão de desmembrar Mato Grosso e criar Mato Grosso do Sul foi tomada em abril de 1977 pelo terceiro presidente do regime militar, Ernesto Geisel, seis meses antes da assinatura da Lei Complementar nº 31, em 11 de outubro. A divisão efetivamente aconteceu em janeiro de 1979 com a instalação do Governo do novo Estado.
A formação cultural do sul-mato-grossense está associada, portanto, à diversidade das tradições trazidas pelos migrantes e pelos imigrantes, mas algumas predominaram e deram uma característica muito peculiar às manifestações artísticas locais. Música, literatura, artes plásticas, culinária, turismo, economia e toda a nossa cultura tem gênese própria e assinatura do jovem e emblemático Estado do Mato Grosso do Sul que completa 42 anos.
A partir desta quinta-feira (10.10), vamos abordar temas diversos onde Mato Grosso do Sul está inserido com suas características próprias. Nestes 42 anos de vida, o Estado passou da posição periférica para de destaques em vários segmentos; acompanhe no decorrer dos dias a Série MS 42 Anos.
O sertanejo é a música que identifica MS
Polcas, guaranãs, sertanejo, chamamé, pop, qual é o som que identifica o Mato Grosso do Sul? Segundo o jornalista e historiador, Oscar Rocha, isto não deve ser motivo de preocupação ou questionamento. Afinal, diz, a maioria dos Estados não tem uma identidade musical. “Você não vê falar em uma música de Santa Catarina ou do Paraná, por exemplo”.
Em sua visão, a identidade musical do Mato Grosso do Sul é recente. Foi apenas depois da divisão do Estado é que a nova geração de músicos começou a busca por um som para chamar de nosso. Do ponto de vista acadêmico, o jornalista diz que nossa música é um caldeirão de ritmos onde se misturam sons da Bolívia com o pop brasileiro, a música andina e o chamamé da Argentina.
Os irmãos Geraldo e Tetê Espíndola, junto com Geraldo Roca e Paulo Simões são representantes desta geração que também recebeu influência do folk. Hoje, segundo ele, esta fragmentação é ainda maior porque a ela se juntam também o rock e samba.
Mas quando se fala em identidade ou tradição, Oscar lembra um fenômeno importante que teve início nos anos 90: os grupos de baile ou baileiros. Grupos como Canto da Terra, Zíngaro, Tradição (marcando o início da carreira de Michel Teló), que fizeram uma mistura sonora de ritmos gaúchos, pitadas de música baiana e o sertanejo de raiz. Alguns desses baileiros conseguiram repercussão nacional, gravaram disco e fizeram shows fora do Estado. Houve uma explosão nacional, mas, segundo Oscar, não houve o êxito esperado. É quando Michel Teló começa sua carreira solo e torna-se um grande sucesso nacional. “O Teló carrega a identidade de Mato Grosso do Sul, não há como falar dele sem se lembrar do Estado”, atesta.
Depois dos baileiros, começa a fase das violadas com duplas e dá origem ao sertanejo universitário. “O sertanejo universitário é criação sul-mato-grossense, sem nenhuma dúvida”, atesta o jornalista. O ritmo tornou-se o pop nacional e fez sucesso com as duplas Maria Cecília e Rodolfo, Munhoz e Mariano, João Bosco e Vinícius. Em 2008 surge o fenômeno Luan Santana, campo-grandense que cresceu ouvindo e tocando sertanejo.
A geração dele cresceu buscando uma identidade musical e Luan traduziu este sentimento. O Brasil inteiro faz coro ao garoto que foi indicado ao Grammy Latino duas vezes, colocando Mato Grosso do Sul definitivamente na cena musical.
A música do MS, além de diversificada, têm também todo um aspecto histórico. O Grupo Acaba, que utilizou ritmos de todos os cantos da América do Sul para fazer o som do Pantanal é um grande exemplo. Artistas como Paulo Simões, Geraldo Roca (in memoria), Geraldo Espíndola e Almir Sater flertam com guarânias, polcas e chamamés, misturam o guarani com o português e utilizam fatos da história como inspiração. Daí a referência em suas letras sobre ‘a fronteira em que o Brasil foi Paraguai’. O violonista Marcelo Loureiro, também é um legítimo representante desta mistura de ritmos da fronteira.
Literatura
“Camalotes e Guavirais”, escrito em 1971, por Ulisses Serra, corumbaense radicado em Campo Grande é o livro que, segundo a escritora e vice-presidente da Academia Sul-mato-grossense de Letras, Raquel Naveira, marca a identidade de Mato Grosso do Sul na literatura. Em sua análise, o livro marcou sobretudo por fazer uma espécie de radiografia sociológica – e surpreendente – da sociedade do Sul do então Mato Grosso uno. São crônicas e contos (anteriormente publicados em jornais e revistas) que recriavam o cotidiano de Corumbá (referência dos camalotes) e Campo Grande, com seus guavirais.
Ulisses só deixou uma obra e mesmo assim publicou o livro por insistência dos amigos. Faleceu um ano depois. No livro “História da Literatura Sul-Mato-Grossense”, o autor, José Couto Vieira Pontes diz que o livro de Ulisses Serra tinha “fermento”. Á época, segundo Naveira, o livro deu impulso à vontade que os campo-grandenses tinham de se ‘aculturar” e não ser apenas uma cidade bovino-cultura. Além do livro, Ulisses foi responsável pela criação da Academia de Letras (na época chamada Academia de Letras de Campo Grande).
O maior poeta do Brasil, inclusive na opinião de Carlos Drumond de Andrade, nosso querido Manoel de Barros, embora tenha nascido em Cuiabá, passou a maior parte da vida no Pantanal e Campo Grande. E já havia publicado alguns livros, o primeiro foi em 1937 – “Poemas concebidos sem pecado”. Mas apesar da importância de sua obra para a literatura nacional, ele só foi reconhecido pelo público no começo da década de 1980, através dos prêmios que ele já havia recebido desde da década de 1960.
O poeta não era dado a circular pelos meios literários e nunca fez questão de divulgar sua obra. Aqui no Estado, quem divulgou a obra de Barros foi a professora e escritora, Maria da Glória Sá Rosa – que contribuiu sobremaneira com a cultura do Estado – e o cineasta Joel Pizzini com o curta “Caramujo Flor” documentário sobre a vida do poeta no Pantanal. Em 1984, o jornalista Millôr Fernandes escreve sobre o livro “Arranjos para assobio” na revista Veja e, finalmente veio a consagração nacional.
Como grande poeta que é, o berço de Manoel de Barros é “disputado” pelos dois Estados. Mas vale dizer que um verso do poeta dá pistas do seu verdadeiro habitat: “ “Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão, aves, pessoas humildes, árvores e rios…” Algumas de suas obras foram publicadas em Portugal, Espanha, França e Estados Unidos. Sobrinho de Manoel, de quem era um dos mais próximos, o agropecuarista e empresário, Leonardo de Barros, disse que esta disputa, no íntimo, divertia o poeta. “Ele foi cuiabano, carioca, nova-iorquino, campo-grandense”, resume.
Maneco, como era chamado pelos íntimos, era um intelectual sofisticado que subverteu a sintaxe da língua portuguesa com suas construções poéticas que não respeitavam as normas da língua padrão. Muitos o comparam a Guimarães Rosa. Mas os fãs ardorosos preferem dizer que Manoel de Barros é o nosso “Shakespeare”. Um gênio das palavras que dificilmente haverá outro igual.
Na opinião de Raquel Naveira, no entanto, Manoel nunca se desfez das suas raízes cuiabanas. Segundo ela, no livro de Abílio de Barros – irmão do poeta, “Gente Pantaneira”, que descreve com rara maestria a vida e o jeito de ser do homem do Pantanal, é possível perceber este “ser mato-grossense” de Manoel. Embora, frisa a escritora, o poeta não gostasse de rótulos, não podemos deixar de pensar nele como homem pantaneiro.
O livro de Abílio, que bem mais tarde também publicou um livro de poemas, escrito na juventude, é uma espécie de documento sociológico, onde o autor analisa usos e costumes dos habitantes do Pantanal. Na linguagem cativante de um pantaneiro da gema por várias gerações, “Gente Pantaneira” transformou-se na principal fonte sobre o Pantanal. “Um livro escrito de dentro do Pantanal para fora”, ressalta Raquel. Daí sua importância, sua autenticidade.
Embora hoje a prosa tenha lugar importante na literatura sul-mato-grossense, em matéria de produção a poesia ainda ocupa o primeiro lugar. Entre os diversos poetas sul-mato-grossense Raquel Naveira (que também faz prosa) tem um trabalho reconhecido nacionalmente. Seu primeiro livro, intitulado “Via Sacra” foi publicado em 1981 e um dos poemas recebeu elogios do poeta Manoel de Barros.
Através da professora, mestra em literatura, Glorinha Sá Rosa, sempre ela, Raquel ficou sabendo que o poeta Manoel gostara muito e vaticinara: “Há uma poeta entre nós”. Com 19 livros publicados (sem contar as antologias), ao longo dos anos Raquel faz um trabalho de formiguinha visitando feiras literárias em todo o Brasil sempre carregando sua obra debaixo do braço. “Foi preciso coragem e humildade para fazer esta divulgação”, diz Raquel.
Sobre a identidade da literatura sul-mato-grossense, ela revela que o gentílico “sul-mato-grossense” não pegou fora daqui. “Nos eventos que participo em outros estados, sempre me apresentam como mato-grossense”, conta. Raquel diz que não corrige porque acha indelicado, mas faz questão de dizer que é de Campo Grande. A origem é algo, que segundo ela, não pode ser esquecida. “Faz muita diferença dizer de onde você é”, atesta. A bovinocultura, as imigrações árabes, a fronteira de Bela Vista e sua ascendência portuguesa, fazem parte do seu repertório literário. “É a minha raiz”.
As mídias sociais e toda a tecnologia disponível estão dando novos caminhos à literatura contemporânea. Na análise da professora, isto abriu espaços para inúmeras pessoas escreverem. “É um espaço democrático sem dúvida, mas na minha opinião é muito fragmentado”, diz Em sua opinião esta nova forma de fazer literatura, onde há quem escreva capítulos de uma obra livro online, e em meio a inúmeras vozes que estão brotando, fica bem mais difícil para o autor se sobressair. É outro universo, concorda. A voz da periferia está sendo ouvida pela primeira vez e, segundo Raquel, é uma voz muito forte. O sucesso dos grupos de Slan é um bom exemplo desta força e vem se destacando cada vez mais no Estado.
O escritor, presidente da UBE/MS – União Brasileira dos Escritores, Samuel Xavier Medeiros (contista e romancista) afirma que a qualidade da literatura produzida em Mato Grosso do Sul nunca este em tão boa forma. Otimista, Medeiros acredita que novos tempos se anunciam, bons jovens poetas aparecendo e as publicações se multiplicando. Entusiasta da literatura sul-mato-grossense, afirma que só não conhece nossos escritores quem não quer. “Bons autores não faltam”, pontua.
A crônica é outro gênero que vem se destacando cada vez mais, principalmente em Campo Grande. Os textos migram de jornais, sites, revistas, para os livros, e-books e conquistam os leitores, principalmente os que gostam de textos curtos e leves.
A poesia, no entanto, continua sendo o gênero mais popular, tanto para quem escreve quanto para quem lê. Talvez a nossa exuberante natureza seja a grande inspiração para a poesia. Quem deseja iniciar-se na literatura feita no Mato Grosso do Sul, deve começar por autores que traduzem a alma e os costumes sul-mato-grossenses como por exemplo: Paulo Coelho Machado, Hélio Serejo, Elpídio Reis, Maria da Glória Sá Rosa, Hildebrando Campestrini, José Couto Viera Pontes, entre outros.
Nos sites da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e da UBE – União Brasileira de Escritores pode-se encontrar boas referências de escritores regionais. Há também uma nova safra de jovens romancistas com arcabouço muito próprio, sem preocupação com a regionalidade, mas com fortes características sul-mato-grossenses. Neste contexto temos os autores Raphael Lugo Sanches, André Alvez, Zélia Nolasco, Alex Domingos, Fábio Gondim.
Poesia, romance, contos, batalhas sonoras, poesia de rua, não importa o gênero que se escolha nem a forma que ela é feita e consumida. O importante é saber o Estado tem sim, uma literatura forte, representativa, cujos autores estão se virando como podem para que suas vozes sejam ouvidas.
Gastronomia do MS
Além do churrasco nosso de cada dia, Mato Grosso do Sul tem uma rica e saborosa gastronomia. E ingredientes especiais que fazem uma culinária diferenciada. “Somos uma Amazônia gastronômica”, declara entusiasmado o chef Adriano Torres, que trabalha em um hotel de Bonito, região famosa pelos peixes de água doce. Na sua cozinha, Adriano gosta de inovar receitas tradicionais com acompanhamentos sofisticados. O dadinho de pintado com farofa de pilão, por exemplo, ganha um dip de melado; o pacu no bafo com mandioca cremosa “a la plancha” e farofinha de sopa paraguaia tem vinagrete de laranja. Além dos peixes a carne de jacaré é um dos pratos que mais chama a atenção dos turistas. A iguaria se tornou tão popular que está sendo comercializada em forma de hambúrguer, substituindo a carne bobina.
Nosso maior representante da cozinha regional, o chef e professor de gastronomia, Paulo Machado viaja pelo Brasil e o mundo mostrando os sabores de Mato Grosso do Sul. Na bagagem, além dos tradicionais instrumentos de corte, ele leva ingredientes como, farinha de mandioca (comprada no mercadão), erva-mate, farinha de guariroba, castanha de Barú e até caldo de piranha congelado. Mas a primeira coisa que o campo-grandense faz, depois de longas temporadas fora da terrinha, é ir à Feira Central comer Sobá com espetinho e mandioca com shoyo. “Morro de saudades destes sabores”, confessa Paulo com largo sorriso, lembrando também que a culinária árabe tem enorme influência no paladar do campo-grandense que, segundo ele, não passa sem uma esfirra. Não por acaso, os restaurantes árabes por aqui estão sempre lotados.
Quando se fala em comida tradicional de Mato Grosso do Sul as opiniões podem ser diversas, mas uma coisa é inegável: a carne é o elemento onipresente. Acompanhada da tradicional mandioca, misturada ao arroz ou com toque sofisticado de ingredientes regionais como a erva mate e rapadura, ela é sempre a rainha da festa. Afinal, temos orgulho em dizer que o Estado produz a melhor carne do Brasil.
A conhecida chef e também professora de gastronomia, Dedê Cesco, considera o arroz carreteiro o prato mais emblemático do Estado. E a explicação da chef faz todo sentido. Segundo ela, comida tradicional é aquela que a maioria das pessoas sabe fazer. “A carne que sobra do churrasco do final de semana, sempre acaba se transformando num arroz carreteiro”, explica. O prato aliás, é a estrela de uma das tradições pantaneiras: o quebra-torto, nome dado ao café da manhã tipicamente pantaneiro, comum nas fazendas de Mato Grosso do Sul. Como refeição do pantaneiro é servido geralmente bem cedo entre 4:00 e 5:00hs da manhã e tem como base o arroz carreteiro, ovos e farofa. Já a café quebra torto que é servido nos hotéis e pousadas da região inclui maior variedades de pratos como bolo de mandioca, carne seca, peixe frito e deliciosa sopa paraguaia. É comum o sul-mato-grossense tirar onda dos turistas com a iguaria que, apesar do nome, é uma espécie de bolo de queijo.
E para tomar, vai o quê? Um terebre, claro! Afinal onde tem roda de amigos tem guano ou um copo de alumínio passando de mão em mão com a bebida, feita de folhas de erva mate moída grosseiramente. E diferente do chimarrão dos gaúchos, o terebre é servido bem gelado. A história da bebida data da invasão europeia por castelhanos e portugueses, quando era usado pelas tribos guarani, nhandeva, kaiowá e outra etnias chaquenhas, muito antes da Guerra do Paraguai e da Guerra do Chaco (entre Paraguai Bolívia, 1932-1935), quando as tropas começaram a beber mate frio para não acender fogos que denunciariam sua posição, isso possivelmente na região de Ponta Porã (Mato Grosso do Sul), que na época pertencia ao Paraguai.
Theresa Hilcar – Subsecretaria de Comunicação de MS – Subcom
Foto: Divulgação artistas
Valter Rondon, foi um pioneiro em levantar a bandeira da Arte e Cultura do novo Estado.