“Deixa o Manoel partir meu pai, ele tem o ‘dão’”. O Manoel sempre que contava essa história abria um largo sorriso. Lembrava da sensibilidade do irmão mais “simplão” que decretou sua sina poética.
Na fazenda do Pantanal, o pai ainda imaginava o que seria daquele menino sempre “avoado das coisas e do lugar”. O conselho do irmão mais velho foi quem deu senha para que o menino do mato fosse estudar em colégio interno.
Stella, o único amor de sua vida, sinalizou ao telefone inconformada que o poeta não estava bem: “Anda muito fraquinho. Não é justo o que tá acontecendo com ele, Bosco”, se queixava ela; nos emocionamos.
Percebi que a coisa era séria quando Martha, a filha, enviou me o email: “Gostaria de pedir, se for realmente nosso amigo, para respeitar nosso silêncio. O momento não esta propício a visitas. Obrigada, bjs.”
Havia mais de um ano que não visitava o poeta. Ele estava disponível somente para a família e mantinha-me informado de sua saúde através de Stella e de Martha.
O cara meio desligadão que conheci há anos e que, na maioria das vezes, de tão concentrado ficava produzindo inutilezas, parecia agora querer desligar de vez.
Relembrei, quando reuníamos em sua casa para praticarmos o ócio e ouvir as histórias que gostava de contar. Eram tempos de sua juventude estudantil no Rio de Janeiro. Tempos da ditadura Vargas. A convite do amigo Apolônio de Carvalho, entrou no PCB.
Numa manifestação de apoio do partidão de Prestes ao governo Vargas, se desencantou e se desligou da política. Não sem antes sofrer perseguição.
Foi no Pantanal que buscou refúgio da polícia de Vargas que havia encontrado em seu quarto de pensão, material para provar sua militância comunista. O material era seu único livro inédito e até hoje desaparecido. “Nossa Senhora da Minha Escuridão”.
O poeta, que nunca misturou poesia e política, se divertia em contar ser aquele seu livro mais religioso. Sobre a morte, um dos temas mais recorrentes em perguntas que lhe eram enviadas, Manoel evitava responder, não falava quase nada sobre ela.
Quando morria alguém, um parente, um amigo, ou mesmo um conhecido seu, nunca questionava, nunca analisava. Para o poeta “como o nascer, morrer também é natural, não tem mistério”.
Desta forma também lidava com as doenças, noticias ruins, etc, nunca reclamava de nada.
Outro diálogo sobre a morte e idade ocorreu alguns anos antes da minha ultima visita. O poeta completará mais um ano de idade. Estava bastante amargurado
-Não sei por que a morte não me leva logo. Vou acabar senil. -To velho demais só penso em morte, morte, morte!!! – A velhice é uma merda!! Não consigo mais escrever!!
Só agora percebo ter sido aquele nosso ultimo encontro. Talvez naquele dia eu o teria amado mais, abraçado mais. Como numa crônica de Clarice, em que a vida é para ser intensamente vivida. E o poeta viveu até a última gota. Mas agora, temos que nos acostumar ao ser “letral”. O Manoel agora desvive de seu ócio criativo. Sem mais suas novas palavras.