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Institucional

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4 de outubro de 2024 - 05:13

Formação policial representa vitória de Ednir 30 anos após crime

“Quando assumi o cargo de chefe no setor de almoxarifado, um diretor de contabilidade me chamava de galinha de macumba diante de todos os funcionários, e dizia que pelo fato de eu ser negra, não poderia estar exercendo um cargo de chefia. Eu estava no 5º ano de Ciências Contábeis na época. Poderia ter formado, mas o abalo psicológico… Não tinha como aceitar o que estava acontecendo comigo”.

Injúria racial sofrida 30 anos atrás até hoje reverbera na alma de Ednir de Paulo.

Trinta anos depois, Ednir de Paulo traz este testemunho no primeiro curso de repressão ao crime de racismo/injúria racial voltado para policiais civis. A formação faz parte da campanha MS Sem Racismo. Todo cronograma e ementa do curso foram elaborados por doutores, professores e advogados, além da Subsecretaria de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial e militantes do movimento negro. A proposta é um dos legados deixados pelo deputado estadual Amarildo Cruz.

A injúria racial sofrida por Ednir aconteceu na década de 1990, e até hoje reverbera no emocional da vítima. À época, ela se baseou no artigo 5º da Constituição que diz “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e moveu primeiro um processo dentro da Câmara Municipal de Corumbá, onde trabalhava. O segundo passo foi fazer uma circular para todos os parlamentares, e então procurar uma delegacia de Polícia para registrar o boletim de ocorrência.

“A polícia fez toda a ocorrência do que tinha acontecido, mas não encontrou em qual artigo encaixar, porque não tinha essa tratativa ainda para a questão racial. Então, este processo ficou dentro da delegacia… Recebi até ameaças de morte”, recorda. O caso foi para o Judiciário e, mais uma vez, não havia como enquadrar o que tinha acontecido com Ednir no código penal, justamente pela ausência de legislação.

Houve toda uma movimentação dos advogados José Roberto Camargo de Souza e Aleixo Paraguassú Neto, juntamente com a sociedade civil até o processo chegar ao senador Abdias Nascimento, então titular da Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Afro-brasileiras do Governo do Rio de Janeiro. No entanto, sem leis que pudessem enquadrar o caso como crime, não havia como seguir com o processo.

“Estive frente a frente com o autor da Lei Caó, porque eles tentavam encaixar a injúria como crime, mas não tinha como encaixar, por falta de ouvirem a base das comunidades negras, eu estava passando por um processo que afetava todo o meu psicológico”, conta.

O contexto tristemente vivenciado por Ednir serviu de ponto de partida para acrescentar à lei de injúria a questão racial. E hoje, 30 anos depois, o Brasil tem a Lei 14.532, de 2023, que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, com a pena aumentada de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão. Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo.

“Acredito que a implantação do curso de formação para quem está lidando com isso na base vai ajudar muito. Casos assim acontecem dia a dia, você vê o que aconteceu comigo tantos anos atrás mexe com a minha estrutura, quando eu conto, estou revivendo toda aquela época. Isso que está acontecendo agora é um avanço e traz ações muito positivas”, ressalta Ednir.

MS SEM RACISMO NA SEGURANÇA PÚBLICA

“Iniciamos um trabalho de militância lá nos anos 1980, e continuamos até hoje, porque ainda tem muito a ser feito. Estamos aqui na Acadepol, no curso de formação, tratando de educação, de reeducação e de ressignificar a história da população negra no Brasil”, apresenta a subsecretária de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial, Vânia Lúcia Baptista Duarte.

Pela primeira vez, sob gestão de Eduardo Riedel, o Governo do Estado tem a Subsecretaria de Igualdade Racial e a Secretaria Executiva de Direitos Humanos atuando na elaboração, formatação e execução deste curso de formação.

Subsecretária de Igualdade Racial, Vânia Lúcia Duarte destaca a inovação do Governo de MS em atender à pauta e também determinar delegacias especializadas para investigar e reprimir crimes raciais. (Foto: Paula Maciulevicius/Setescc)

“É algo histórico, é a primeira vez que nós chegamos até a Polícia Civil para trazer essa temática que vem das nossas demandas. Algo que nós, como pessoas negras, corpos negros, identificamos. A inclusão da temática nas formações da Polícia Civil é muito significativa para mudança de pensamento e de atitude acerca do racismo”, enfatiza.

Outro ponto que a subsecretária destaca é a inovação do Governo ao determinar que duas delegacias especializadas, a Deops (Delegacia Especializada de Ordem Política e Social) e a DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídios) passem a investigar, apurar e reprimir crimes raciais.

Para o secretário-executivo de Direitos Humanos da Sead, Ben-Hur Ferreira, é de extrema importância para quem trabalha com a segurança pública ter este contato com a temática do racismo. “Temos que construir uma ideia do entendimento do racismo”, diz.

Delegados de Polícia Civil, Camilla Gerarde Barbosa Borges e Fabrício Dias dos Santos, ambos negros, também vão ministrar o curso abordando a questão jurídica do racismo e a postura do policial no momento de atendimento.

“Eu trago aqui uma fala da Angela Davis, que para mim norteia o comportamento de toda pessoa que é compromissada na luta contra o racismo: ‘Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista’. E isso significa que temos de adotar condutas de enfrentamento ao racismo. Não basta bater a mão no peito e dizer: ‘não sou racista’, se diante de uma situação de racismo, vamos dar às costas”, enfatiza o delegado regional de Corumbá, Fabrício Dias dos Santos. 

Abertura do Curso de Formação para Repressão do Crime de Racismo. (Foto: Monique Alves/Sead)

O curso que acontece nos dias 31 de julho, 1º, 2, 10 e 11 de agosto vai abordar os seguintes eixos: racismo estrutura e desigualdades raciais no Brasil e em MS; inteligência artificial e racismo digital; a história, cultura e desafios da população negra em relação à Segurança Pública no Brasil; a importância da delegacia especializada; aspectos psicossociais do perfilamento racial na abordagem policial; Darwinismo Social; aspectos legais do racismo e injúria Racial;  filtragem/perfilamento racial; Polícia Civil no combate aos crimes raciais e de racismo religioso e a construção da identidade.

O corpo docente é composto por mestres, doutores, militantes e representantes do movimento negro de Mato Grosso do Sul:

  • Sr. Arthur Padilha
  • Profa. Dra. Bartolina Ramalho Catanante – UEMS
  • Camilla Gerarde Barbosa Borges – Delegada de Polícia
  • Dr. Douglas Silva Teixeira – MPMS
  • Prof. Dr. Daniel Estevão Ramos de Miranda – UFMS
  • Dr. Eurídio Ben Hur Ferreira – SEAD
  • Profa. Dra. Eugênia Portela de Siqueira Marques – UFMS
  • Fabrício Dias dos Santos – Delegado de Polícia
  • Dr. José Roberto Camargo de Souza – Advogado
  • Juan Raphael Martinez – Juan Sàngó – Pai de santo
  • Me. Kelly Cristina Alves Massuda
  • Sra. Romilda Neto Pizani – Fórum Movimento Negro
  • Profa. Vânia Duarte – Subs Igualdade Racial
  • Willer Souza Alves – OAB/MS

A proposta é que o curso de formação também chegue aos outros órgãos e demais forças de segurança de todo Mato Grosso do Sul.

Paula Maciulevicius, da Setescc.

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