A água limpa e potável é um direito humano garantido por lei desde 2010, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). A existência desse bem hídrico é essencial à manutenção da vida animal e vegetal e há 26 anos foi instituído o “Dia Mundial da Água”, celebrado nesta quinta-feira, 22 de março. Anualmente, um tema é colocado em destaque para chamar a atenção da sociedade e, neste ano, a campanha traz como bandeira “A resposta está na natureza”.
Um dia dedicado para chamar a atenção às práticas no campo e na cidade de preservação e restauração ambiental que possam proteger o ciclo natural da água e melhorar a qualidade de vida da população, bem como a segurança do bioma terrestre.
No interior de Mato Grosso do Sul, a 282 km da Capital, agricultores familiares vem há alguns anos com práticas que coadunam com as preocupações de ambientalistas graças ao reaproveitamento do chorume de suínos na fertirrigação da pastagem. “A água que lavamos os porcos, nas granjas, é reaproveitada. Mas, antes ela precisa passar por quatro lagoas [tanques] para o tratamento porque ela vem com todos os dejetos dos suínos”, informa Manoel Bento Correa, agricultor familiar que vive no distrito de Guaçulândia, que fica a 19 km do centro de Glória de Dourados.
E a destinação correta da água usada é permitida através da biofertilização. Trata-se do uso de lagoas de decantação, método similar ao utilizado no tratamento de esgotos domésticos, que associa a decantação e filtragem da água em lagoas. Processo tido como ecologicamente correto, dando destino adequado à água com chorume, sem causar a contaminação do lençol freático. Procedimento que possibilita o reuso da água na irrigação de pastagem e na lavoura de milho, por exemplo.
Uma atividade agrícola, fertirrigação, que conta com a assistência técnica da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer). O escritório municipal da Agência de Glória de Dourados tem a missão de auxiliar os pequenos produtores rurais nesse trabalho de manejo de pastagem. “Ficamos imbuídos dos serviços de Ater [Assistência Técnica e Extensão Rural] quanto ao desenvolvimento do pasto, manejo do solo, a fertirrigação em si e o trato dos animais na pecuária de leite e de corte. Além, é claro, de outros possíveis atendimentos e esclarecimentos de dúvidas”, pontua o engenheiro agrônomo da Agraer, Cristian Felippi.
Só na granja da estância Estrelinha, são calculados 3.600 suínos. Animais que necessitam diariamente de cuidados e, logicamente, de água. “Todo dia as granjas são lavadas. São cerca de 30 a 60 mil litros de água por dia nas lavagens. O descarte direto na natureza não pode. A gente encontrou na fertirrigação a solução para a produção e o meio ambiente”.
E os benefícios vão muito além. Na estância de Manoel Bento ainda é feito uso de outra ferramenta importante para quem busca a comunhão com a natureza: a partilha. Entre os tubos enterrados para uso na propriedade, há também outros que vão para os sítios de três vizinhos. “Temos quatro quilômetros de encanação instalada. Parte da água é usada nos 60 hectares do meu pasto e a outra parte é mandada por gravidade às propriedades de três agricultores que também só fazem reuso da água no pasto”, diz.
Uma forma viável de ajudar os vizinhos e que evita o transbordamento dos tanques, o que impede o risco de contaminação do solo. “A qualidade do pasto é excelente e a capacidade de colocar o rebanho triplica por hectare. Uma área em que colocava 10, 15 bovinos, agora, eu consigo colocar 100 cabeças. Tudo sem o uso de adubos químicos. Hoje, estou com uma média de 300 animas no pasto, enquanto, que antes eu tinha 100, 120”, calcula.
Para quem possa duvidar da segurança dessa atividade para o meio ambiente, Manoel Bento garante que todo o trabalho passa por um rigoroso controle de qualidade da água e do solo. “A cada seis meses há uma coleta de amostras da água dos tanques e da área onde é feita a fertirrigação. Se houver alguma irregularidade a gente recebe multa, os órgãos ambientais caem em cima. Há todo um trabalho, nada é impensado”.
Conscientização que auxilia o ecossistema, pois mesmo o planeta Terra sendo constituído por aproximadamente 70% de água, sabe-se que é considerada potável apenas 0,7% dela, ou seja, uma pequena parcela da água é adequada ao consumo humano.
Se for levado em consideração que a agricultura é responsável por 70% do consumo de recursos hídricos — a maior parte vai para a irrigação das plantações. Tem-se uma menção ainda melhor do quanto a tática de reuso da água pode ser benéfica ao meio ambiente e atividades no campo. Principalmente, porque a participação do setor agrícola aumenta em áreas com maior densidade populacional e muitas partes do globo enfrentam o problema da falta d’água.
Em nesse meio, o campo é seguido pela indústria, que responde por 20% da água utilizada em atividades humanas. O uso doméstico representa outros 10% do consumo total, e a proporção de água potável que é bebida pela população equivale a menos de 1%.
Logo, fica evidente do quanto o tratamento e a reutilização da água é importante para ordem do planeta e a preservação das nascentes, visto que o ecossistema sozinho não consegue fazer todo esse processo de conversão. Isso porque, em grande parte das vezes, a água usada por fábricas, na agricultura e na pecuária entram em contato com elementos ‘não naturais’, produtos químicos, modificados ou criados pela mão humana.
Mesma mão que também pode indicar caminhos alternativos para ações sustentáveis, como é o caso de outro agricultor, de Glória de Dourados, Lucas Alves de Souza. “Há 18 anos, mexo com gado, mas, foi com a fertirrigação que eu vi as coisas melhorarem na propriedade. Decidi trabalhar com a criação de suínos justamente porque já tinha sido peão de fazenda. Aprendi a lidar com o trato dos bichos e fui vendo casos de sucesso de sítios vizinhos com o reuso da água de granja [porcos] no pasto”.
Desta forma, o sítio passou da “monocultura de boi” para a diversificação das atividades com a criação de suínos. Ação que permitiu maior geração de renda e a redução com custos em fertilizantes. “É um trabalho que requer um investimento inicial, mas que é recompensado depois. O pasto está verde, uma beleza só, e mesmo na entressafra a gente percebe a qualidade da pastagem e a saúde do rebanho porque o capim é irrigado”, justifica Lucas.
“Mexo com gado de leite e de corte. A vaca, por exemplo, só vai dar leite se tiver comida. Sem alimentação boa, ela não tem como dar leite. Como vai produzir leite para o bezerro e para a ordenha senão tem o que comer ou se come mal?”, ele levanta o questionamento e ainda argumenta, “em tempos de entressafra, você vê na cor do pasto a diferença de quem faz o uso de fertirrigação e de quem não faz. Aqui, o rebanho engorda sem problema. Não tem coisa melhor”.
E o que está bom pode melhorar. É que está para sair um financiamento de R$ 20 mil pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para o sítio. “Vai dar para ampliar a área de irrigação. Com a fertirrigação não preciso trocar o capim. A braquiária teve boa adaptação e a licença ambiental é renovada de quatro em quatro anos, conforme a análise do solo e da água. A gente segue à risca as orientações de trato dos animais, da terra e da água”.
Em Glória de Dourados, os serviços de Ater dentro do sistema de fertirrigação também contam com a contribuição de outros quatro técnicos da Agraer, os servidores João Carlos Stefanello, Jean Cleber dos Santos e José Anísio Luz. “Sempre que eu preciso da Agraer sou bem atendido. Não tenho do que me queixar da turma. Inclusive, o meu Pronaf foi feito com a ajuda da Agraer que elaborou o projeto”, finaliza Lucas.
Aline Lira – Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer)
Fotos: Rafael Henrique