Loiva Heidecke Schiavo*
O poeta virou passarinho, disse a neta quando Manoel se foi. Às vésperas do Natal ou precisamente a uma semana das comemorações do nascimento de Jesus Menino, o poeta da escrita intrigante e palavras “de inocência e felicidade infantil”, completaria neste 19 de dezembro 99 anos. Não tive o prazer de conhecer pessoalmente o poeta Manoel de Barros. Somente através de seus livros e “entrevistas poéticas”, mas ainda nos sentimos criança ao debruçar em sua literatura.
Em Bonito entre as matas do cerrado, à beira do rio Formoso, a presença dele fica ainda mais latente quando buscamos em sua poesia “transver” o mundo. Assim é que recarregamos nossas energias diárias e carregamos “água na peneira”, brincado de jogar nossas “pedrinhas no bom senso”.
Através de Manoel aprendemos aguçar ainda mais nosso exercício de possibilidades poéticas e nos renovando como ser humano. Possibilitando nos “des-aprender”, “des-ler”, enfim, reensinando–nos a ler um mundo, quando nos (re)apresenta sua linguagem dissimulada de encantamentos e desvairios.
O poeta vai virando pelo avesso os nossos sentidos e assim alcançamos com ele, esse criança(mento) das palavras. Em imagens lúdicas trazidas em seu retorno constante e insistente à infância.
O poeta, que entre outros nos legou poeta, “Gramática Expositiva do chão”, nos remete à sua eterna infância. Infância de brincadeira com “criaturas” como sapos, formigas, lesmas, etc. Escreve seus versos curtos porque usa delas (as crianças) a mesma inocência, de quando brincava com essas “criaturas”. De onde veio e onde cresceu não tinha brinquedo pronto. Por isso passou a vida a brincar “de palavras descomparadas”.
De brinquedos fabricados por ele mesmo, como boizinhos de osso, bolas de meia e automóveis de lata que, ao longo dos tempos, vêm sendo suprimidos do mundo infantil. Mas, na visão do poeta, são de suma importância para desenvolver a capacidade criativa da criança por serem “medidos pelo encantamento”. Brinquedos fabricados pelo homem, como bicicleta, avião, automóveis ou nave espacial, viram sucatas e são produzidos para que a criança seja “brincada por eles”. Os brinquedos sofisticados acomodam a mente e o seu poder de imaginação. Matam a nossa liberdade criativa, enquanto enriquecem a indústria que não a da poesia. Assim imbricada na memória e na sua maneira de ser criança se produziu o sentido verdadeiro de sua escrita. Porque conseguem marcar e influenciar uma época e toda uma geração, ao longo dos anos. Muitos poetas e poemas se tornam influentes e modificam a vida da gente e de muitas pessoas.
Em “Pequeno Esclarecimento”, Mario Quintana retrata os poetas: “Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação”. O de que eles mais gostam é estar em silêncio – um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio… “Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.”
Manoel era como o caramujo-flor de sua poesia. Aquele bichinho que se esconde quando alguém se aproxima. Manoel era assim, tímido e pequeno, mas um poeta imenso de lavar com sua poesia nossa alma e coração.
Devemos lembrar e falar do Manoel sempre no presente, porque a obra dele permanecerá perene. Seus escritos e poesia são universais, saíram da base física do Pantanal e hoje pertencem ao mundo. Poetas nunca morrem, permanecem vivos em nossa memória e revivem a cada citação que deles fazemos. Os poetas são eternos e Manoel se cristalizou, entrelaçando palavras rebordadas em prosa e versos.
Sua poesia transcende o limite do tempo finito. E está frutificada no coração de todos nós que a saboreamos. Bem vindo à eternidade e feliz natal poeta querido!
(*) Loiva Heidecke Schiavo é secretária de Educação de Bonito